terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Estar leve (por Jessica Toniatti da Silva)


Carol, por Máscaras Despidas - Nudifique!
Santo André - Jan 2014


Estar Leve

Depois de um dia quente, cheio de olhares cansados no trabalho e no transporte público, abro a porta de casa e respiro fundo! O cheiro do lar. Uma mistura de prazeres e lembranças que confortam e recebem meu cansaço.
Vou entrando e tirando do bolso a carteira, que contém letras e números para me identificar a uma legislação. Conjuntos alfanuméricos que falam sobre a minha origem e podem acessar fichas e registros os quais minha memória sequer soube um dia.
No mesmo canto jogo o celular: um meio prático de controle e domínio. São evitados os lugares que não têm sinal de celular, pois a qualquer momento alguém pode tentar se comunicar comigo. Mas afinal, que informação espero a qualquer momento? Por que essa ansiedade para comunicar e compartilhar informações?
Caminho um pouco para dentro do aconchego, sento no sofá e tiro os sapatos e meias. Estico e estralo os dedos, alongo o tornozelo e panturrilha, tão maltratados pelo formato e altura do salto novo. Liberdade para meus pés sentirem a temperatura e textura do chão. Espreguiço as pernas que ficaram tantas horas congeladas e atrofiadas na cadeira do escritório.
Carrego os sapatos nas mãos sentindo os pés no chão frio até chegar ao quarto, onde paro em frente ao espelho e tiro os brincos, colares e pulseiras, folheados ou imitações de ouro e prata. Massageio o lóbulo da orelha para relaxar do sustento diário do peso das bugigangas que a faço carregar. Bugigangas que me colocam em um patamar o qual não sei ao certo se possuo, pertenço ou aspiro ou nada.
Tiro a calça e a calcinha, que apertam exatamente onde ficam paradas as tortas de maçã que minha mãe faz aos domingos. Bem ali, onde encontra meu prazer semanal, que deve ficar sempre escondido com o fim de ostentar uma qualidade de vida que mal tenho tempo de planejar. 
Alivio também o calor da blusa e o aperto do sutiã, do qual não posso me livrar na maior parte do dia pois é dentro dele que devo me encaixar. Dentro do tamanho padrão das melhores marcas e modelos. O que fica para fora é o que sobra, o que não deveria existir, portanto é onde mais é apertado e escondido. Inspiro fundo, fecho os olhos e sinto o ar finalmente preencher completamente meus pulmões.
Vou até o banheiro e passo com delicadeza o algodão embebido em desmaquilante seguido de um pouco do creme de limpeza profunda. Aos poucos me recordo das noites mal-dormidas em busca de algum filme ou companhia para tirar a mente dos compromissos. Lembro também da alimentação pobre que me tira o brilho da pele. Aos poucos meu rosto empalidecido e cansado aparece entre um algodão e outro.

Tomo um banho morno, renovando as energias trocadas negativamente. Olho minhas mãos desmunidas de tecnologias, só eu e meu corpo, sem efeito de luz ou cor. As marcas da roupa apertada começam a desaparecer e dar espaço a um conforto relaxante. Aceito minhas próprias formas e tendências.

Ao sair do chuveiro, não me visto, olho pela janela do apartamento as formiguinhas trafegando imersas em seus propósitos e sonhos. E caminham, levam de lá pra cá, daqui pra lá, sem nunca chegar a lugar algum.
E num ato de coragem, olho-me no espelho. Cada detalhe, curva e marca. 

Aqui, agora. Esta sou eu.
Nudificada.


Por Jessica Toniatti da Silva (blog da autora)

Victor Faria, por Máscaras Despidas - Nudifique!
Santo André - Jan 2014


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Nudifique!

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Dependência (por Jessica Toniatti da Silva)

André, Victor, Douglas e Douglas, por Máscaras Despidas 
Santo André / Jan 2014

Dependência

O estudo da história das atividades humanas na terra indicam que até que não foram dominados a agricultura e o fogo, sua vida nômade foi inevitável. Era necessário que fugisse-mos dos períodos de estiagem, do frio ou calor intenso. A espécie era completamente dependente de fatores externos adequados para um bom plantio, caça e pesca, pois as adversidades climáticas poderiam dizimá-la.
Outro fator que fazia com que o homem fosse dependente do nomadismo, era o uso das terras que, em algumas regiões, eram férteis durante os primeiros plantios, porém quando deixavam de ter os nutrientes necessários para um bom cultivo, passavam a ser inutilizadas, criando a necessidade de busca por outras terras.

O avanço tecnológico possibilitou ao homem dominar o mundo ao seu redor. Com o descobrimento de adubos, pode suplementar terras já inférteis. Com o domínio do fogo, pode preparar alimentos que não poderiam ser digeridos em sua forma crua. Isso sem contar as diversas formas de domínio da natureza, como o estudo da botânica e dos animais, que possibilitaram o transporte, comunicação e a criação de uma medicina, tão essenciais para o desenvolvimento humano.

De alguma forma, o homem deu um salto em relação a outros animais ou outros períodos de sua própria evolução. Desenvolveu uma sociedade e uma cultura, que se comunicam de forma interdependente. Aos poucos foi criando padrões mínimos para uma vida humana, os quais nos separam da selvageria instintiva dos outros animais. Fomos entrando em uma dinâmica menos natural, mais construída.

Em meio a estas construções, pudemos observar algumas interessantes, que facilitaram em altos níveis o tal do progresso. Em contrapartida, muitas dessas facilidades encontradas, acabaram gerando outros problemas complexos e ainda não solucionáveis. Para que o homem atravessasse a galáxia foram criadas naves espaciais e foguetes, no entanto, perdemos o fôlego para ir até a padaria da esquina pois estamos muito adaptados aos automóveis, criando termos como obesidade infantil ou espaço fitness. Enquanto estudamos diversas fórmulas matemáticas e desenvolvemos máquinas cada vez menores que realizam operações extremamente complexas, conhecemos cada vez menos nossos corpos e seu funcionamento de acordo com as leis da natureza, dependendo de um especialista e ou alguma substância a cada vez que as coisas saem do eixo, sem sequer saber o que isso ou aquilo significa.

Com todas as tecnologias e facilidades que cria, a humanidade se afasta de si, do seu semelhante e de sua própria existência. Esquece de prestar atenção ao que sente e prefere escutar o que os meios midiáticos e especialistas em fórmulas gerais e padronizadas têm a dizer. 

Se antes de dominar a tecnologia dependíamos do que a natureza nos oferecia para podermos traçar nossa sobrevivência, hoje a tecnologia nos domina, dependemos desta, de forma a definir nosso padrão e qualidade de vida. 

Naturalmente o homem é um ser de progresso e vamos, a passos de formiguinhas, conquistando nosso espaço, mas nos esquecemos que nossa espécie se manteve por muitos milhões de anos sem as comodidades e rituais que pensamos ser tão necessários hoje.

Tirar a roupa não somente para refrescar um pouco, mas por um ato de coragem, rebeldia e retorno à ligação com outros seres naturais, com nossos antepassados. Liberte-se do que te prende, seja lá o que for!

E outro dia discorro mais acerca da padronização dos corpos e das vidas: as fôrmas nas quais a gente se faz caber para atender uma demanda que a gente nem sabe de onde vem. Mas aí já é outra história...

Texto por Jessica Toniatti da Silva (Blog da autora)

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terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A nudez das coisas (por Leandro Stunti)

Douglas por Máscaras Despidas - Nudifique!
Santo André SP Jan/2014
A nudez das coisas
Querem me dizer que o nu é vergonhoso! Afinal, o que é estar nu?
Nu é estar sem roupas? Por isso é vergonhoso?
Nu é quando compramos uma roupa nova e a tiramos da embalagem, deixando essa peça nua, sem nosso corpo?
Nu é quando tocamos nosso instrumento fora da sua capa? Afinal ele está nu, sem vestimentas.
Tirar a embalagem de um chocolate é deixá-lo nu, exposto, como realmente foi feito.
Uma pedra não se cobre, permanecerá nua, surgiu nua, está nua.
Então para mim todas as coisas estão nuas, somos nós quem insistimos em cobrir para descobrir depois.
O prazer está na descoberta e não no nu.
O nu é parte de quem somos e de todas as coisas.
Não há vergonha em nossos corpos, nossas partes, nada a esconder, nada de que se envergonhar.
Nada que deva ser escondido, coberto para ser descoberto.
Todas as coisas são nuas, têm que ser.
tudo belo e sincero, assim é: a nudez das coisas.
E para você: o que é estar nu?

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